
Como bons mineiros, André Sá e Marcelo Melo começaram a parceria sem fazer alarde, mas foram aos poucos “comendo pelas beiradas”. De boas campanhas em challengers, entraram de cabeça nos torneios ATP e conquistaram, na semana passada, a maior façanha de suas carreiras: as semifinais em Wimbledon. Como prêmio, a entrada com estilo no top 50 e caminho livre para disputarem os principais eventos do circuito.
Aos 23 anos e ainda no início da carreira, Melo classificou as duas semanas em Londres como “estranhas”, enquanto o experiente Sá, de 30, as colocou como “inesquecíveis”. E motivos não faltaram para isso. Desde o início do Grand Slam, os dois enfrentaram problemas e foi ainda no primeiro jogo, contra os franceses Nicolas Mahut e Julien Benneteau, na modesta quadra 18 do complexo do All England Club, que os holofotes começaram a se voltar para eles.
Depois de quatro sets disputados, os europeus abriram quebra de vantagem e sacavam em 3/2. “Senti uma dor na coxa e chamei o médico”, lembra Melo.
“Tudo normal, acontece com todos. Só que eles perderam a esportiva porque acharam que fiz aquilo de propósito para mudar o ritmo do jogo”.
Na virada seguinte, chegou a levar uma ombrada de Benneteau. Mas a violência dos franceses serviu apenas como motivação. Os mineiros venceram quatros games seguidos e garantiram vaga na segunda rodada. Onde o desafio seria ainda maior. Enfrentariam Kevin Ullyett e Paul Hanley, cabeças-de-chave 6.
O jogo começou no sábado, mas terminou apenas na quarta-feira. Culpa da insistente chuva que atrasou toda a programação do Grand Slam e tirou o sono de Sá. “Em dois dias, fui dormir com a responsabilidade de manter o saque na volta. Tinha de estar 100%, nem 98%”, diz. O jovem de 2,03m lembra da pressão que sentiram. “A gente estava sempre um game abaixo e com a responsabilidade de fazer o nosso serviço para continuar vivo. Fizemos isso 20 vezes”, lembra. “Foi o jogo mais mental das nossas carreiras”. Afirmação dita por ambos.
Os mineiros salvaram seis match-points e conseguiram a quebra decisiva. Melo foi para o saque e, antes de sacramentar a vitória, precisou salvar dois break-points no 15/40. “Era a oportunidade de ouro. Você tenta esquecer tudo. Conversamos na virada e combinamos a tática. Foquei bastante naquele momento”. Resultado: ace e vitória com parciais históricas de 5/7, 7/6 (7/4), 4/6, 7/6 (9/7) e 28/26.
Os mineiros quebraram o recorde de games em um único set em Wimbledon e viraram celebridades. Sá comentou ainda sobre a entrevista coletiva que deram e que estrelas como o norte-americano Andy Roddick, o sérvio Novak Djokovic, o cipriota Marcos Baghdatis e os irmãos Bryan vieram lhes dar os parabéns pela vitória. E que muitos jogadores, tanto da chave masculina quanto da feminina, ficaram aglomerados em frente às televisões nos vestiários para acompanhar a maratona. “É o maior reconhecimento que existe. Aqueles dos seus companheiros de trabalho. Contamos a história do jogo umas 50 vezes”, brinca.
Mais um triunfo em cinco sets nas oitavas-de-final sobre o alemão Christopher Kas e o austríaco Alexander Peya e a vaga nas quartas foi garantida. Em seguida, chegou o maior desafio: os temidos Daniel Nestor e Mark Knowles, terceiros favoritos, campeões de Roland Garros e Queen’s e invictos há 15 jogos.
E ambos usaram uma única palavra para descrever a atuação: perfeita. “Aproveitamos todas as oportunidades. Tivemos um pouco de sorte sim, mas foi o nossa melhor atuação em Wimbledon”, afirma Melo. “Jogamos bem desde o primeiro ponto e não tivemos break-point contra”, aponta Sá. “O divisor de águas foi a partida contra o Hanley e Ullyett. Deu confiança pra gente. Era uma dupla experiente e vimos que tínhamos condições de bater os melhores”.
Nas semis, outros franceses: Michael Llodra e Arnaud Clement. Os mineiros começaram bem e tiveram 3/0 no tiebreak do primeiro set. “Mas levamos azar”, garante Sá. “Era para ser nosso. Tivemos chances e eles cresceram muito depois. Ficou difícil pará-los”. Tão complicado que os rivais passaram ainda pelos irmãos Bryan, parceria número 1 do mundo, e ficaram com o título.
“Wimbledon já era um torneio muito especial para mim. Agora ainda mais”, garante Sá, que já havia chegado às quartas-de-final em simples há cinco anos, quando perdeu contra o britânico Tim Henman em quatros sets, na quadra central completamente lotada. “Posso garantir que ninguém acreditava que a gente subiria tão rápido”, diz Melo. “Falaram que poderíamos chegar ao top 50. Mas não em um ano como aconteceu”.
E curiosamente, a parceria dos mineiros de Belo Horizonte começou por acaso. Há exato um ano, no challenger de Campos do Jordão, Sá participaria da chave de duplas, mas viu seu parceiro, o equatoriano Giovanni Lapentti, desistir por causa de contusão. Melo, por sua vez, também enfrentou situação parecida e por pouco não volta para casa sem jogar. “Fui até o clube procurar parceiro e nada. Estava voltando para o hotel, quando o André mandou uma mensagem no celular perguntando se queria jogar com ele. Falei que iria”.
Imediatamente os resultados apareceram. Venceram na serra paulista e repetiram a façanha na terra natal, onde não perderam set. O bom momento seguiu em Joinvile, onde ficaram com o vice-campeonato. O gosto do quase se manteve em Gramado, mas foi embora finalmente com o título em Bogotá. No final de 2006, ainda se separaram: Sá foi para os Estados Unidos e, Melo, para a disputa da Copa Petrobras. Longe um do outro, não conseguiram boas campanhas.
Na atual temporada, uniram forças apenas no final de janeiro, após três semanas de competições, e foram duas vezes às semis, no challenger de Santiago e no ATP de Viña del Mar, onde perderam match-points. Alguns resultados ruins e a dupla deu um tempo. Após reencontro em Houston, venceram o challenger de Bermudas e, duas semanas depois, surpreenderam com o título no tradicional ATP de Estoril.
Em Praga, cada um teve sua própria dupla e foi neste instante que mudaram de planos. Até então, cada um fazia seu calendário e uniam forças apenas quando tivessem oportunidade. Depois do torneio tcheco, porém, assumiram o compromisso de atuarem juntos até o final do ano e passaram a escolher os mesmos torneios.
“Eu jogava mais simples e o Marcelo sempre priorizou as duplas. Fazia o meu calendário baseado nos torneios em que iria entrar sem disputar o quali. Agora, estamos conciliando tudo e jogaremos juntos até o final de 2007”, garante Sá. “Estávamos sempre planejando semana a semana”, lembra Melo.
Ainda inexperiente, “gigante” confessa que sente um pouco a falta de jogar em simples. “Em Queen’s, entrei no quali e tive match-point para chegar à chave principal. Então, deixou um gostinho”. Ele disputou apenas 15 partidas no ano e com seis vitórias. Por isso, pretende continuar focando sua carreira nas duplas.
E a receita para o sucesso desta parceira? “A gente se complementa em várias coisas”, analisa Melo. “Eu saco bem e o André tem um serviço menos forte, mas a gente compensa isso com o meu tamanho na rede. Não dou espaço para os adversários. E ele devolve demais e é mais rápido, principalmente na hora de atacar”, destaca. “Se conseguir desenvolver meu saque e ele melhorar a devolução e a primeira bola, seremos uma dupla muito perigosa”, garante Sá.
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